Sabine Stumm

Pejotização em pauta: até onde vai a proteção ao trabalhador — e onde começa a liberdade contratual?

Pejotização em pauta: até onde vai a proteção ao trabalhador — e onde começa a liberdade contratual?

A suspensão nacional dos processos sobre pejotização, determinada pelo Ministro Luís Roberto Barroso, reacende um debate necessário sobre as formas de contratação no Brasil e o equilíbrio entre proteção ao trabalhador e segurança jurídica para quem empreende.

A decisão está relacionada ao ARE 1.532.603, no qual o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por maioria, a repercussão geral do Tema 1.389. A discussão envolve três pontos centrais:

  • a validade dos contratos de pessoa jurídica (PJ);
  • a competência da Justiça do Trabalho para julgar eventuais fraudes;
  • e a distribuição do ônus da prova: deve recair sobre o trabalhador ou o contratante?

Origem e evolução do termo “pejotização”

O termo pejotização surgiu no contexto da Justiça do Trabalho como uma forma de nomear a contratação irregular de trabalhadores como pessoas jurídicas, com o objetivo de fraudar direitos típicos da CLT — como férias, 13º salário, FGTS e verbas rescisórias.

Durante muitos anos, o termo foi sinônimo direto de fraude trabalhista, usado para descrever estratégias de redução de custos à custa da proteção do trabalhador. E, de fato, esse tipo de prática existiu — e ainda existe em diversos contextos.

No entanto, o mercado de trabalho evoluiu, e com ele surgiram novas formas de prestação de serviço que não se encaixam no regime tradicional da CLT. Hoje, muitas contratações por PJ não representam fraude, mas sim uma escolha legítima e funcional para ambas as partes.


A visão do STF sobre pejotização e liberdade contratual

O Ministro Barroso alertou que a Justiça do Trabalho tem desconsiderado decisões anteriores do STF e criado uma jurisprudência que, na prática, presume vínculo empregatício mesmo em contratos legítimos com PJs.

A suspensão dos processos busca justamente restabelecer previsibilidade jurídica, essencial para quem empreende, investe e estrutura empresas e operações por meio de contratos lícitos — mas fora da CLT.


O mercado de trabalho mudou — e a CLT não acompanha tudo

Recebo relatos frequentes de clientes que empreendem em setores como vendas, marketing, tecnologia e consultoria: a contratação via CLT, muitas vezes, não atende aos interesses do próprio contratado, que prefere atuar atendendo a mais de uma empresa, com autonomia e sem subordinação direta.

Hoje, muitos profissionais rejeitam a carteira assinada e optam por atuar como pessoa jurídica. É um novo perfil de trabalho, que também precisa ser respeitado.


A insegurança jurídica nas contratações por PJ

A forma como parte dos tribunais tem tratado a pejotização — com presunção de vínculo empregatício, mesmo em relações lícitas — gera risco jurídico constante para empresas.

Quando tudo é interpretado como fraude, a formalização de contratos legítimos fica fragilizada. Empresários e gestores se veem desestimulados, mesmo com boa-fé, por medo de processos futuros.

Isso prejudica o ambiente de negócios, a inovação e até o desenvolvimento econômico do país.

Fraudes devem ser combatidas, sempre. Relações disfarçadas de PJ, com subordinação e pessoalidade, são contrárias à lei e devem ser requalificadas.

Porém, é preciso reconhecer que nem todo contrato PJ é irregular. Nem toda relação alternativa à CLT é precarização.


A medida do STF como ponto de inflexão

A decisão do STF é um convite à reflexão. Um chamado à modernização do olhar jurídico sobre as relações de trabalho. O Direito precisa acompanhar as mudanças do mercado e da sociedade, respeitando a liberdade contratual quando exercida com boa-fé e sem abuso.

Pejotização não é mais, necessariamente, sinônimo de fraude. E a insegurança jurídica não pode ser o preço de quem tenta inovar e formalizar relações legítimas.


Conclusão: liberdade com responsabilidade

O julgamento do Tema 1.389 pelo STF ainda trará definições importantes sobre pejotização, ônus da prova e competência da Justiça do Trabalho.

Mas até lá, fica o alerta: generalizações comprometem a Justiça — e colocam em risco o desenvolvimento de modelos de negócios modernos, sustentáveis e juridicamente sólidos.

A segurança jurídica é essencial para que relações comerciais sejam justas, claras e viáveis para todos os envolvidos.